De folgado, vivia apertado. Em vez de ir atrás dos prazeres, ficava sentado esperando por eles. Gostava de palavras! Gostar é pouco. Gozava com elas! Gostava delas como um astrônomo gosta de satélites, ou como um ornitólogo gosta de beija-flores, ou como um gemólogo gosta de vidros. No entanto, diferente deles, não dependia de possuir lentes ultra-modernas, nem para longe e nem para perto, bem como não precisava ir dali até as flores e cansar de descansar a esperar pela sorte. O que lhe dava doce à vida não estava escondido, nem dentro e nem longe, e se fossem flores, de ficarem ao seu redor o sufocariam, por menor que fossem, de tantas que seriam. Se fossem flores as palavras o matariam. E nesse caso haveria quem defendesse ter sido suicídio. Ele amava palavras. Ia dormir pensando nas últimas e sonhava com as que ninguém dizia. Acordava dando bom dia à primeira coisa, pessoa e ideia fixa que aparecesse no caminho até o vaso sanitário. Saia de casa sorrindo e passava o dia subindo e descendo, apertando e ascendendo, escutando e defendendo, palavras, palavrões, silêncios gritantes, olhares mudos, de tudo um pouco o tempo todo. Às vezes com um, às vezes com todos. Uns verbos menos perfumados que outros, ainda que melhores que os peidados. Mas valia a pena, pelas palavras cantadas daquelas que mesmo mudas eram cheias de graça. Aquelas que inspiravam. Com seus dias de folgado contados, ele ia rumo à aposentadoria de sua função antes de aposentar o próprio corpo. Caprichoso o destino, deixou-o desconcentrado. Ouvia mas não escutava. Foi saindo aos poucos do lugar que o expulsariam. Era o começo da saudade dos números vagos. Ele ia ficar no vocabulário térreo. Ele era ascensorista.
Era noite e a rua estava escura, naquele trecho arborizada paradoxalmente do lado dos postes.Apesar disso, viam-se detalhes nas casas, entre penumbras e claros, percebiam-se suas frentes estreitas, jardins curtos, alpendres de muretas em umas, grades com janelas em todas e as árvores. Surge uma bicicleta na esquina mais longe e para quem pedalava podia haver o som da roda se passasse por cascalhos, talvez o da corrente, provavelmente uma respiração ofegante, mas, para quem via tudo desde a esquina oposta à da cena, era o silêncio e mais nada Era o cenário e alguns pensamentos, mais nada. Ao se aproximar do último dos postes porém, naquele pedaço da rua surge um latido, que puxa outro, que desperta outros dois, quatro, incontáveis. Não se via um e pelos latidos eram todos pequenos. Pela janela que se acende, aparentemente alguém acordou. A bicicleta já passou, os latidos ficam espaçados e somem. A luz se apaga. Um poste que não se fazia perceber ali se acende, do nada. Não faz mais que
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